Depressão na Infância e Adolescência: Um Guia Essencial para Entender e Apoiar

A depressão, muitas vezes associada apenas à vida adulta, é uma realidade preocupante e crescente entre crianças e adolescentes. Longe de ser apenas uma “tristeza passageira” ou “birra”, a depressão maior é um transtorno episódico e recorrente, capaz de impactar profundamente o desenvolvimento, a aprendizagem e as relações sociais dos jovens. Compreender seus sinais, fatores de risco e as abordagens de tratamento é fundamental para pais, educadores e todos que convivem com crianças e adolescentes, permitindo uma identificação precoce e o encaminhamento adequado para ajuda profissional. Este artigo, baseado em informações cruciais do Tratado de Saúde Mental de Infância e Adolescência da IACAPAP, visa desmistificar a depressão juvenil e oferecer um panorama claro sobre como podemos atuar para proteger a saúde mental de nossos jovens.

O Que é Depressão em Crianças e Adolescentes?

A depressão maior em crianças e adolescentes é caracterizada por uma tristeza e infelicidade persistentes e penetrantes, perda do prazer em atividades cotidianas (anedonia), irritabilidade e uma série de sintomas associados. Estes podem incluir pensamento pessimista, perda de energia, dificuldade de atenção e concentração, alterações no apetite e perturbação do sono. É crucial entender que as manifestações desses sintomas podem variar significativamente com a idade, o gênero e o contexto cultural. Por exemplo, em crianças pequenas, a irritabilidade e problemas comportamentais podem ser mais evidentes do que a tristeza explícita.

Historicamente, a depressão infantil foi, por vezes, “mascarada” ou subestimada, acreditava-se que não existia ou que se manifestava apenas por equivalentes depressivos como problemas de conduta ou queixas somáticas. Hoje, sabemos que a depressão existe em jovens e compartilha muitos sintomas com a depressão adulta, embora possa se apresentar de formas que dificultam o reconhecimento imediato, como birras, dores de cabeça ou fadiga.

Um Olhar Sobre a Prevalência e o Impacto

A prevalência da depressão em jovens varia globalmente, mas estudos indicam que atinge entre 1% e 2% dos pré-púberes e cerca de 5% dos adolescentes para um quadro clinicamente significativo a qualquer momento. A prevalência ao longo da vida é ainda maior; por volta dos 16 anos, 12% das meninas e 7% dos meninos já teriam experimentado um episódio depressivo, como apontado pelo estudo de Costello et al. (2003) citado no documento. Notavelmente, a razão de depressão entre os gêneros é semelhante em pré-púberes, mas quase dobra no feminino durante a adolescência.

A depressão impõe uma carga substancial não apenas ao indivíduo, mas também à família e à sociedade. Ela afeta relacionamentos interpessoais, o desempenho escolar e ocupacional, e pode levar a um curso crônico e recorrente se não tratada. Estudos destacam que o início precoce da depressão está associado a indicadores de maior carga da doença na vida adulta, como menor qualidade de vida, mais comorbidades clínicas e psiquiátricas, maior número de episódios depressivos e tentativas de suicídio.

Por Que Acontece? Fatores de Risco e Comorbidades

A etiologia da depressão é complexa e multifatorial, resultando de interações entre vulnerabilidades biológicas (como carga genética e fatores pré-natais) e influências ambientais. O documento enfatiza que a depressão parental é o fator mais consistentemente replicável para depressão na prole. Eventos estressores na vida, como perdas, também aumentam o risco, especialmente se a criança processa esses eventos com atribuições negativistas. Baixo cuidado parental e rejeição também são fatores de risco.

Além disso, a depressão raramente se apresenta sozinha. A comorbidade com outros transtornos mentais é frequente em crianças e adolescentes. Transtornos de ansiedade, problemas de conduta, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) e dificuldades de aprendizagem são frequentemente observados junto à depressão. A ligação entre depressão e ansiedade é particularmente conhecida, pois seus sintomas coexistem e os indivíduos podem vivenciar episódios de ambos ao longo da vida. A depressão também pode estar comórbida com transtorno de estresse pós-traumático, sendo que adolescentes traumatizados são mais vulneráveis à depressão e suicidalidade. É fundamental que os profissionais de saúde investiguem a presença de outras condições ao avaliar um quadro depressivo.

Identificando os Sinais: O Desafio do Diagnóstico

Embora o diagnóstico não seja geralmente difícil para profissionais treinados, a depressão em crianças e adolescentes é frequentemente subdiagnosticada ou não tratada. Jovens tendem a apresentar queixas físicas ou comportamentais que podem obscurecer os sintomas depressivos típicos observados em adultos. Sinais de alerta incluem irritabilidade ou humor rancoroso, tédio crônico, perda de interesse em atividades prazerosas, retraimento social, ausências escolares, queda no desempenho acadêmico, mudanças no padrão de sono, queixas físicas inexplicadas (dores de cabeça, dores de estômago), problemas comportamentais (conduta desafiadora, fugas) e uso de substâncias psicoativas.

Deve-se ressaltar que, para um diagnóstico clínico de depressão, são necessários sintomas nucleares (tristeza, infelicidade ou irritabilidade, e anedonia), acompanhados por alguns sintomas associados (geralmente quatro), presentes na maior parte do dia, todos os dias, por pelo menos duas semanas. Esses sintomas devem causar prejuízo funcional ou desconforto significativo e não serem resultantes do uso de drogas ou de outra condição médica. A avaliação deve integrar informações de múltiplas fontes – pais, professores e o próprio jovem – dando maior peso à declaração do paciente, especialmente em relação à sua percepção dos sentimentos.

Caminhos Para a Recuperação: Tratamentos e Abordagens

O tratamento da depressão juvenil visa a remissão total dos sintomas e o retorno ao nível de funcionamento pré-mórbido. Qualquer resultado abaixo disso é considerado subótimo, pois a persistência de sintomas residuais aumenta o risco de piores desfechos psicossociais, suicídio e recorrência.

As diretrizes de tratamento variam conforme a gravidade:

  • Quadros leves: Medidas de suporte (psicoeducação, suporte à família e escola) ou tratamento psicossocial.
  • Quadros moderados: Medidas de suporte ou tratamento psicossocial. Medicação pode ser considerada se não houver resposta em 4 a 6 semanas ou por preferência do paciente/indisponibilidade de terapia.
  • Quadros graves: Tratamento psicossocial combinado com medicação.
  • Depressão psicótica: Tratamento de quadro grave com adição de antipsicótico de segunda geração.

Entre as intervenções psicossociais, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e a Psicoterapia Interpessoal (TIP) são destacadas como efetivas, especialmente em casos leves a moderados. A TCC foca na conexão entre pensamentos, sentimentos e comportamentos, buscando reestruturar padrões negativos. A TIP, por sua vez, aborda o impacto das relações interpessoais no humor deprimido.

Em relação à medicação, os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs) são os antidepressivos mais seguros e com melhor evidência de efetividade em jovens, com a fluoxetina sendo a primeira escolha em muitos casos. É fundamental que a prescrição seja acompanhada de monitoramento rigoroso devido a possíveis efeitos adversos, incluindo, paradoxalmente, um pequeno aumento no risco de suicidalidade (ideação e tentativas) no início do tratamento em alguns casos, conforme alerta o FDA. Vale enfatizar a necessidade de discutir exaustivamente os motivos da prescrição, os efeitos adversos e a necessidade de adesão ao tratamento com o paciente e a família.

A combinação de medicação antidepressiva (como fluoxetina) com TCC tem mostrado melhores resultados do que cada abordagem isoladamente em estudos, especialmente para casos graves.

A Importância da Prevenção e do Suporte Contínuo

A depressão na juventude tem uma alta tendência de recorrência, com quase metade dos pacientes recuperados apresentando um novo episódio em cinco anos. Isso reforça a necessidade de tratamento continuado e estratégias de prevenção. Programas de prevenção (seletiva ou indicada), focados em reestruturação cognitiva, resolução de problemas e treino de habilidades sociais, mostram resultados promissores.

O estigma em torno da saúde mental é uma barreira significativa para o diagnóstico e tratamento, levando ao atraso na busca por ajuda. É vital promover um ambiente onde a saúde mental seja discutida abertamente, sem julgamentos, incentivando a procura por apoio profissional. A conscientização e a educação de pais, professores e profissionais de saúde são passos cruciais para garantir que os jovens recebam o cuidado necessário.

Perguntas ao Leitor

  1. Como você, como pai, professor ou cuidador, pode criar um ambiente de abertura e confiança para que as crianças e adolescentes se sintam à vontade para expressar suas emoções e dificuldades, mesmo aquelas que não se manifestam como uma “tristeza óbvia”?
  2. Considerando os fatores de risco e comorbidades discutidos, quais medidas práticas você pode implementar em seu dia a dia ou em seu ambiente (familiar, escolar) para fortalecer a resiliência dos jovens e minimizar o impacto desses fatores?
  3. Diante da complexidade do diagnóstico e da importância da intervenção precoce, como podemos colaborar para reduzir o estigma da depressão em crianças e adolescentes e incentivar a busca por ajuda profissional de forma mais natural e menos assustadora?

Fonte

Rey JM, Bella-Awusah TT, Jing L. Depression in Children and Adolescents. In Rey JM (ed), IACAPAP e-Textbook of Child and Adolescent Mental Health (edição em Português; Dias Silva F, ed). Genebra: International Association for Child and Adolescent Psychiatry and Allied Professions 2018.

Advertência

As informações fornecidas neste artigo são para conhecimento geral e não substituem o aconselhamento, diagnóstico ou tratamento profissional. Se você ou alguém que você conhece apresentar sinais de depressão, procure sempre um profissional qualificado (psiquiatra infantil, psicólogo, ou pediatra) para avaliação e orientação adequadas.