Você já parou para pensar em todas as habilidades que uma criança precisa para planejar uma brincadeira, lembrar de uma instrução complexa, controlar a impulsividade ou se adaptar a uma nova rotina escolar? Essas capacidades essenciais são gerenciadas por um conjunto de habilidades cognitivas de alto nível, conhecidas como funções executivas. Elas são o “maestro” do nosso cérebro, orquestrando pensamentos e ações. No entanto, em crianças com transtornos do neurodesenvolvimento – como o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), o Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou dificuldades de aprendizagem específicas – o desenvolvimento e o funcionamento dessas habilidades podem apresentar desafios únicos. Compreender a intersecção entre as funções executivas e os transtornos do neurodesenvolvimento é fundamental para oferecer o suporte mais eficaz e personalizado.
O Que São as Funções Executivas? O Centro de Comando do Cérebro
As funções executivas são um guarda-chuva para um grupo de processos cognitivos que nos permitem gerenciar a nós mesmos e nossos recursos para alcançar um objetivo. Elas são cruciais para a aprendizagem, o comportamento e a socialização. Entre as principais, destacam-se:
- Controle Inibitório: A capacidade de suprimir impulsos e distrações, resistindo à tentação de agir de forma inadequada ou de se desviar do objetivo principal. Pense na habilidade de esperar a sua vez em um jogo ou de não interromper alguém.
- Memória de Trabalho: A aptidão para reter e manipular informações na mente por um curto período de tempo para completar uma tarefa. É essencial para seguir instruções de várias etapas ou resolver problemas matemáticos mentalmente.
- Flexibilidade Cognitiva: A habilidade de adaptar-se a novas situações, mudar de estratégia ou alternar entre diferentes tarefas ou conjuntos de regras. Permite que a criança lide com uma mudança inesperada na rotina ou encontre uma nova solução para um problema.
- Planejamento e Organização: O processo de definir metas, criar um plano de ação e sequenciar passos para atingir um objetivo. Fundamental para a conclusão de projetos escolares ou a organização de materiais.
- Iniciação de Tarefas: A capacidade de começar uma tarefa de forma autônoma, sem procrastinação.
- Regulação Emocional: Gerenciar e expressar emoções de forma apropriada, controlando reações intensas para manter o foco na tarefa ou interação social.
Essas funções não operam isoladamente; elas interagem de forma dinâmica e complexa, influenciando o sucesso acadêmico, a adaptação social e a saúde emocional de uma criança.
Funções Executivas e Transtornos do Neurodesenvolvimento: Uma Conexão Crucial
A pesquisa tem consistentemente demonstrado que déficits nas funções executivas são uma característica comum em muitos transtornos do neurodesenvolvimento. A forma como esses déficits se manifestam e seu impacto podem variar significativamente de acordo com o transtorno e a idade da criança.
Impacto na Primeira Infância: A Base do Desenvolvimento
O período da primeira infância é crítico para o desenvolvimento das funções executivas. Estudos prospectivos baseados na população, como o realizado por Kim et al. (2019), apontam para a importância de identificar precocemente disfunções executivas em crianças pequenas com transtornos do neurodesenvolvimento. A detecção precoce permite intervenções mais eficazes, que podem mitigar os desafios e promover um desenvolvimento mais saudável. As dificuldades nessa fase podem se manifestar como atrasos no autocontrole, na capacidade de seguir rotinas ou na adaptação a novas situações.
Desafios em Idade Escolar e Dificuldades de Aprendizagem
À medida que as crianças avançam para a idade escolar, as demandas por funções executivas aumentam exponencialmente. A capacidade de prestar atenção em sala de aula, de organizar materiais, de planejar projetos e de gerenciar o tempo são todas habilidades executivas essenciais para o sucesso acadêmico. Bermejo-Guillén et al. (2023) destacam a profunda relação entre as funções executivas, as necessidades educacionais especiais (SEN) e as dificuldades de aprendizagem. Crianças com SEN frequentemente enfrentam desafios específicos em habilidades executivas, o que pode impactar sua capacidade de aprender a ler, escrever, calcular e interagir de forma eficaz com o ambiente escolar e social. Por exemplo, uma criança com TDAH pode ter dificuldades significativas no controle inibitório e na memória de trabalho, manifestando-se como impulsividade, desatenção e esquecimento de instruções, enquanto uma criança com TEA pode apresentar desafios na flexibilidade cognitiva, resultando em rigidez de pensamento e dificuldade em lidar com mudanças de rotina.
A Importância da Avaliação das Funções Executivas
Dada a complexidade e a centralidade das funções executivas no desenvolvimento infantil, a avaliação torna-se uma ferramenta indispensável. Conforme a revisão narrativa de Sánchez-Caracuel et al. (2022), há um crescente interesse na avaliação dessas habilidades em crianças em idade escolar. No entanto, a conceituação e a operacionalização da avaliação das funções executivas são complexas, exigindo abordagens multifacetadas que considerem diferentes contextos e métodos. Uma avaliação abrangente pode identificar o perfil específico de pontos fortes e desafios de uma criança, permitindo que pais, educadores e profissionais desenvolvam estratégias de suporte mais direcionadas e eficazes.
Abordagens de Manejo e Suporte: Construindo Pontes para o Desenvolvimento
O manejo dos déficits nas funções executivas em crianças e adolescentes é uma área de constante pesquisa e desenvolvimento. Embora não exista uma “cura” para os transtornos do neurodesenvolvimento, uma variedade de intervenções pode ajudar a mitigar os desafios e fortalecer as habilidades executivas. Cubillo et al. (2012) revisam os déficits de função executiva e o manejo farmacológico em crianças e adolescentes, ressaltando que, em alguns casos, a medicação pode ser uma parte importante de um plano de tratamento abrangente, especialmente para o TDAH.
Contudo, o manejo dos déficits executivos vai muito além da farmacologia. Ele envolve uma abordagem multidisciplinar que pode incluir:
- Intervenções Comportamentais: Estruturação de ambiente, rotinas claras, sistemas de recompensa e estratégias para promover o autocontrole.
- Treinamento de Habilidades Executivas: Atividades e jogos que visam especificamente fortalecer a memória de trabalho, a flexibilidade cognitiva e o planejamento.
- Apoio Escolar: Adaptações curriculares, suporte pedagógico e estratégias em sala de aula para auxiliar a criança a gerenciar suas tarefas e interações sociais.
- Terapias: Terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicopedagogia e psicoterapia podem ser cruciais para desenvolver habilidades específicas e estratégias de enfrentamento.
- Envolvimento Familiar: O papel ativo dos pais e cuidadores é fundamental, criando um ambiente de apoio e implementando estratégias no dia a dia.
É um processo contínuo de adaptação, paciência e colaboração, com o objetivo de capacitar a criança a desenvolver seu potencial máximo e prosperar em todas as áreas da vida.
Perguntas ao Leitor
- Ao observar uma criança, quais são as funções executivas que você percebe que são mais desafiadoras para ela e como essas dificuldades afetam o seu dia a dia?
- Que tipo de estratégias você já tentou para apoiar o planejamento ou a flexibilidade cognitiva em crianças, e quais foram os resultados?
- Pensando na colaboração entre casa e escola, como podemos fortalecer essa parceria para melhor apoiar o desenvolvimento das funções executivas em crianças com neurodesenvolvimento atípico?
Advertência
Este artigo fornece informações de caráter geral sobre Funções Executivas e Transtornos do Neurodesenvolvimento em Crianças. Ele não substitui o aconselhamento, diagnóstico ou tratamento profissional. Se você ou alguém que você conhece precisar de ajuda ou estiver preocupado com o desenvolvimento de uma criança, é fundamental buscar a orientação de um profissional de saúde qualificado.
Fonte
- Bermejo-Guillén, M., Barroso, R., & García-Lázaro, I. (2023). Executive Functions and Special Educational Needs and Their Relationship with School-Age Learning Difficulties. Education Sciences, 13(11), 1109. URL: [https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC11592935/]
- Cubillo, A., Halari, R., Eme, P., Taylor, E., & Rubia, K. (2012). A Review of Executive Function Deficits and Pharmacological Management in Children and Adolescents. Current Drug Targets, 13(4), 485–496. URL: [https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC3413474/]
- Kim, Y., Koh, H., Kim, K. B., Kim, B. S., Kwak, Y., & Lee, J. (2019). Executive functioning and neurodevelopmental disorders in early childhood: a prospective population-based study. BMC Psychiatry, 19(1), 332. URL: [https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC6805591/]
- Sánchez-Caracuel, J., Salguero, P., & Peñuelas-Calvo, I. (2022). Assessment of executive functions in school-aged children: A narrative review. Frontiers in Psychology, 13, 9674032. URL: [https://ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9674032/]


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