Primeira Infância Sem Telas: Construindo Futuros Mais Saudáveis na Era Digital

No cenário atual, onde a tecnologia permeia quase todos os aspectos da vida, a exposição de crianças a telas digitais desde a primeira infância tornou-se uma preocupação crescente para pais, educadores e profissionais de saúde. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), através de seu Grupo de Trabalho de Saúde na Era Digital, tem alertado consistentemente sobre os riscos associados ao uso precoce, excessivo e prolongado de dispositivos eletrônicos, enfatizando a importância de um ambiente que priorize as interações humanas e o desenvolvimento natural. Este artigo visa explorar os impactos do mundo digital na primeira infância e apresentar recomendações cruciais para proteger o bem-estar físico, mental e emocional de nossos pequenos, com base no Documento Científico Nº 04, “Primeira Infância Sem Telas: Mais Saúde”, produzido pelo Grupo de Trabalho de Saúde na Era Digital (Gestão 2025-2028) da Sociedade Brasileira de Pediatria.


A primeira infância, compreendendo os primeiros seis anos de vida, é um período de intensa formação cerebral e aquisição de habilidades cruciais. É um tempo de “janela de ouro de oportunidades”, como mencionado no referido documento da SBP, Página 2, onde a plasticidade cerebral é máxima, e o estabelecimento de conexões neurais (sinaptogênese) ocorre em ritmo acelerado. É neste período que o cérebro se modela em função das experiências, sendo fundamental que estas sejam ricas em interações reais e estímulos multissensoriais.

O Impacto das Telas no Desenvolvimento Cerebral e Comportamental

A exposição precoce a telas pode gerar o que o documento da SBP denomina de “tecnoestresse” ou “intoxicação digital”. A publicação descreve como a superestimulação visual e auditiva constante pode levar a efeitos negativos como a “criança vidrada”, que “podem resultar no início dos transtornos do sono, da fala, da alimentação e da coordenação psicomotora: medo de andar ou correr, transtornos do aprendizado e da comunicação, inseguranças e irritabilidade”, conforme detalhado na Página 5 do relatório. Essa sobrecarga sensorial artificial interfere na capacidade do cérebro de processar estímulos de forma natural e de refinar as sinapses através da “poda sináptica”, processo essencial para a eficiência cerebral.

Adicionalmente, a pesquisa TIC KIDS ONLINE-Brasil de 2025, citada na introdução do documento, revelou que 23% dos usuários de 9 a 17 anos acessaram a internet pela primeira vez antes dos 6 anos de idade. Este é um dado alarmante que, segundo o estudo da SBP, soa o “alarme de saúde pública” devido ao aumento comprovado de riscos para a saúde mental e comportamental. Tal realidade sublinha a urgência de uma abordagem consciente e preventiva. A criança, em sua fase mais vulnerável, é constantemente atraída por estímulos digitais que podem viciar e isolar, substituindo as interações significativas por uma conexão superficial. O material de referência da SBP também aponta que “crianças que não conseguem lidar com as frustrações ou ‘fazer pausas’ para o relaxamento, o descanso ou o lazer livre, ativo e criativo” são uma consequência direta do uso desregulado de telas.

Ameaças à Saúde Emocional e Social: Da Desvinculação ao Sharenting

O desenvolvimento emocional e social da criança depende fundamentalmente da interação humana. O “espelhamento emocional”, realizado pelos cuidadores, é insubstituível por interações com telas, que são “rápidas, unilaterais e não oferecem conexão emocional”, como destacado no documento da SBP na Página 3. A ausência desse espelhamento pode comprometer o desenvolvimento da empatia, da regulação afetiva e da capacidade de lidar com frustrações. O vínculo humano genuíno, construído através do afeto e da presença, é a base para a segurança psíquica da criança.

A desconexão entre pais e filhos, muitas vezes exacerbada pelo uso de telas pelos próprios pais (a “parentalidade distraída”), é um risco significativo. O documento aborda a “Desvinculação de pais e filhos causada pelo uso de internet”, que pode ter um prognóstico positivo se diagnosticada precocemente, mas que, se ignorada, pode impactar a construção de relações de afeto duradouras. Um fenômeno preocupante é o “sharenting”, onde pais ou responsáveis compartilham excessivamente a vida de seus filhos nas redes sociais, sem as devidas regras de privacidade e segurança. A SBP alerta que essa prática, quando viola o direito à imagem e privacidade da criança, pode gerar responsabilização legal dos pais, de acordo com o que é explanado no documento, Página 3. Além disso, a “economia de atenção”, que visa maximizar o engajamento através de algoritmos e designs manipulativos (“dark patterns”), expõe as crianças a um ambiente de exploração comercial e riscos de segurança, já que elas não compreendem “quem está do outro lado das telas” ou as intenções por trás dos conteúdos.

Recomendações Essenciais para um Ambiente Digital Seguro

A SBP oferece diretrizes claras para a promoção de um ambiente saudável para as crianças na era digital. É fundamental entender que “telefones celulares, smartphones e telas de televisão NÃO são brinquedos!”. As recomendações principais incluem, conforme detalhado no documento da SBP na Página 10:

  • Não uso de aparelhos digitais para crianças menores de 2 a 3 anos.
  • Evitar o uso de aparelhos digitais e visualização das telas durante mais de 30-60 minutos/dia para crianças entre 3 a 6 anos, sempre com supervisão.
  • Desconectar durante a amamentação, refeições e momentos de convivência familiar.
  • Não oferecer telas para “acalmar” birras ou como mecanismo de recompensa/castigo.
  • Permitir o uso de telas e videochamadas somente com a companhia de pais/responsáveis, por tempo limitado e com supervisão do conteúdo.
  • Desconectar todas as telas 1-2 horas antes de dormir, estabelecendo um ritual relaxante para o sono.
  • Estabelecer regras e limites claros, incentivando a participação em tarefas domésticas e brincadeiras ao ar livre e em contato com a natureza.
  • Acessar conteúdos digitais (filmes, jogos) somente após consultar a Classificação Indicativa “L” (Livre) do MJSP.
  • Buscar informações de saúde em redes de confiança (como a SBP, Ministério da Saúde), evitando “influenciadores” ou “fake news”.
  • Acompanhar o desenvolvimento através da Caderneta de Saúde da Criança e consultas periódicas de puericultura.
  • Incentivar que creches e outros locais com crianças priorizem brinquedos seguros em vez de telas, e que incluam cláusulas de restrição de uso de celulares em seus regulamentos.
  • Promover a formação contínua de pais e educadores sobre a mediação parental e os riscos digitais.

Ao seguir estas recomendações, pais e cuidadores podem criar um ambiente que favoreça o desenvolvimento pleno e saudável das crianças, protegendo-as dos riscos do mundo digital e cultivando a riqueza das interações humanas.

Perguntas ao Leitor

  1. Como você tem gerenciado o tempo de tela de seus filhos ou crianças sob seus cuidados? Quais são os maiores desafios que você enfrenta?
  2. Você já percebeu alguma mudança no comportamento ou no desenvolvimento da criança que possa estar relacionada ao uso de telas?
  3. Quais estratégias você pretende adotar, a partir das recomendações da SBP, para promover um ambiente mais “sem telas” em sua rotina?

Fontes

  • Sociedade Brasileira de Pediatria. Primeira Infância Sem Telas: Mais Saúde. Documento Científico. Grupo de Trabalho de Saúde na Era Digital (Gestão 2025-2028), Nº 04, 25 de Agosto de 2025.

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