A Internet transformou a nossa vida de inúmeras maneiras, tornando-se uma ferramenta essencial para comunicação, estudo, trabalho e lazer. Para crianças e adolescentes, essa realidade digital é ainda mais intrínseca, moldando suas interações sociais, aprendizados e formas de entretenimento. No entanto, o que começa como uma oportunidade pode, em alguns casos, transformar-se em um desafio significativo: o Uso Problemático da Internet (UPI). Este comportamento, embora ainda em debate quanto à sua classificação formal como doença, manifesta-se de forma preocupante quando a vida virtual começa a suplantar e prejudicar a vida real. Entender, identificar os sinais e saber como apoiar os jovens é crucial para pais, educadores e cuidadores neste cenário cada vez mais conectado.
Sinais de Alerta: O Que Caracteriza o Uso Problemático da Internet (UPI)?
O Uso Problemático da Internet (UPI) pode ser definido por uma preocupação inadequada com o uso da Internet, experimentada como irresistível e por períodos mais longos do que o pretendido, resultando em sofrimento significativo ou prejuízo na vida do indivíduo. É importante notar que o UPI não é meramente passar muito tempo online, mas sim um padrão de comportamento que causa impactos negativos na rotina e bem-estar do jovem.
Os primeiros critérios diagnósticos para a “adição à Internet” foram propostos por Young em 1996, observando semelhanças com a dependência de substâncias, especialmente em termos de tolerância e sintomas de abstinência. Embora o termo “adição” tenha evoluído para “uso problemático” para ser menos controverso, os sinais permanecem relevantes. Segundo questionários e critérios propostos, alguns dos sinais mais comuns que podem indicar um UPI em crianças e adolescentes incluem:
- Preocupação Excessiva: O jovem pensa constantemente sobre a atividade online anterior ou antecipa a próxima sessão, demonstrando uma obsessão pela Internet.
- Tolerância: Sente a necessidade de usar a Internet por uma quantidade cada vez maior de tempo para atingir a mesma satisfação ou excitação que antes.
- Abstinência: Apresenta inquietação, irritabilidade, mau humor, depressão ou ansiedade quando tenta diminuir ou parar o uso da Internet, ou quando não tem acesso a ela.
- Perda de Controle e Tentativas Frustradas: Já fez múltiplos esforços, sem sucesso, para controlar, reduzir ou parar o uso da Internet. O tempo online é frequentemente maior do que o planejado inicialmente.
- Impacto Negativo na Vida Diária: O uso da Internet compromete ou coloca em risco relacionamentos significativos, desempenho escolar, atividades educacionais ou oportunidades de carreira.
- Mentiras e Ocultação: Mente para familiares, terapeutas ou outros para esconder a extensão do seu envolvimento com a Internet.
- Fuga da Realidade: Utiliza a Internet como uma forma de escapar de problemas ou de aliviar um humor disfórico, como sentimentos de impotência, culpa, ansiedade ou depressão.
- Prejuízo Funcional: Falha em cumprir obrigações importantes devido ao uso da Internet, prejuízos nas relações sociais e até mesmo violação de regras escolares ou leis.
É fundamental observar que o UPI pode se manifestar de duas formas principais: específica e generalizada. O UPI específico refere-se à dependência de conteúdos que existem independentemente da Internet, como jogos de azar online ou videogames. Já o UPI generalizado envolve o uso excessivo de conteúdos próprios da Internet, como salas de bate-papo, e-mail e redes sociais como Facebook ou Twitter. Em ambos os casos, a observação atenta desses padrões comportamentais é o primeiro passo para o reconhecimento e a busca por ajuda. As apresentações clínicas mais comuns incluem a perda da noção do tempo ou a negligência de necessidades básicas durante o uso da Internet, o que, com o tempo, pode levar a um declínio acadêmico e no bem-estar geral.
Por Que Nossos Jovens São Mais Vulneráveis? Fatores de Risco e Impactos
A prevalência do Uso Problemático da Internet varia globalmente, mas estimativas apontam que entre 1% e 18% dos adolescentes podem ser afetados, tanto em sociedades ocidentais quanto orientais. Em alguns países asiáticos, onde a cultura dos jogos online é muito forte, essa porcentagem pode ser ainda maior. Mas por que os jovens são particularmente suscetíveis?
Pesquisas mostram que algumas características comportamentais e neurais de indivíduos com UPI são semelhantes às observadas em diagnósticos de jogo patológico e transtorno por uso de substâncias. Estudos de ressonância magnética funcional indicam que o impulso para jogar jogos online ativa áreas cerebrais análogas àquelas ativadas pelo desejo por drogas em pessoas com dependência. Isso sugere que há um componente neurológico envolvido, onde o cérebro do jovem responde a certas atividades online de maneira viciante.
A fisiopatologia do UPI é complexa e parece envolver uma interação entre fatores ambientais e genéticos. Indivíduos podem ter uma predisposição genética a transtornos aditivos ou outras condições psiquiátricas, como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e depressão. Esses fatores de vulnerabilidade são potencializados por experiências gratificantes online, como a sensação de recompensa em jogos ou a aprovação social em redes.
Além da predisposição, o ambiente social e psicológico desempenha um papel crucial:
- Fatores Psicológicos: Jovens com TDAH, depressão ou ansiedade social, bem como aqueles que se sentem socialmente isolados, estão em maior risco de desenvolver UPI. A Internet pode se tornar um refúgio para lidar com sentimentos indesejados ou evitar o estresse da vida real, criando um ciclo de dependência.
- Fatores Sociais: A acessibilidade generalizada à Internet, o baixo suporte familiar e relacionamentos interpessoais precários podem aumentar a vulnerabilidade. Adolescentes que usam a Internet predominantemente para salas de bate-papo, jogos interativos e conteúdo sexual tendem a ter mais problemas de comportamento, como hiperatividade e pior ajustamento psicossocial. Em contraste, o uso da Internet para fins acadêmicos está positivamente correlacionado com menor uso de substâncias, maior autoestima e melhores relações familiares.
- Negativa: Uma das características mais desafiadoras do UPI em adolescentes é a negação. Eles frequentemente negam ter um problema, o que dificulta a intervenção e permite que o comportamento problemático continue, apesar das óbvias consequências negativas. A adolescência é um período de grandes mudanças biológicas, psicológicas e sociais, e para muitos, essas transformações são estressantes, tornando-os mais suscetíveis aos efeitos negativos do uso excessivo da Internet.
Os impactos do UPI na vida do jovem são vastos e preocupantes: prejuízo no desempenho acadêmico, dificuldades de interação social e familiar, diminuição da aceitação percebida pelos pares, e associações com comportamentos de risco como o aumento do consumo de álcool e uso de drogas ilícitas. A falta de sono e a má alimentação também são comuns, afetando a saúde física e mental.
Caminhos para o Apoio: Estratégias para Pais e Cuidadores
Diante de um quadro de Uso Problemático da Internet, a intervenção e o apoio são fundamentais. Atualmente, embora o UPI não tenha um diagnóstico formalmente aceito em classificações como o DSM-5, a demanda por tratamento é crescente, especialmente em países asiáticos. As intervenções frequentemente extrapolam os tratamentos utilizados para o abuso de substâncias, adaptando-os à realidade digital.
Antes de qualquer intervenção, uma avaliação clínica cuidadosa e a identificação de comorbidades (outros transtornos, como depressão ou TDAH) são essenciais. Se um jovem usa a Internet para lidar com a depressão, por exemplo, tratar a depressão se torna uma prioridade no plano de tratamento. Não existe um medicamento específico recomendado para o UPI, e a maioria das abordagens se concentra em terapias e mudanças comportamentais.
Para pais e cuidadores, algumas estratégias comportamentais e dicas de autoajuda podem ser adaptadas para auxiliar o jovem:
- Monitoramento e Conscientização: Ajude o jovem a identificar seu padrão de uso da Internet por meio de um diário, registrando o tempo online e as atividades realizadas. Isso ajuda a trazer consciência sobre a extensão do problema.
- Definição de Metas Claras: Trabalhe em conjunto com o jovem para estabelecer objetivos claros e específicos para o uso da Internet. Por exemplo, definir o número de horas permitidas por dia ou por semana.
- Limitação e Redução Gradual do Tempo: Limite e reduza o tempo de uso da Internet. Avisos externos, como temporizadores ou alarmes, podem ser úteis para lembrar quando é hora de se desconectar. Negociar um dia da semana sem acesso ao computador para toda a família pode ser uma boa estratégia de reforço.
- Incentivo a Atividades Offline: Ajude o jovem a fazer uma lista de passatempos ou interesses que ele gostava antes de o uso da Internet se tornar problemático. Incentive e facilite o aumento do tempo gasto em esportes, hobbies e outras atividades não relacionadas à Internet.
- Reconhecimento das Consequências Negativas: Ajude o jovem a anotar as consequências negativas do uso problemático da Internet em lembretes e incentive-o a lê-los regularmente. Isso reforça a importância das mudanças.
- Envolvimento Familiar: Intervenções baseadas na família podem ser muito eficazes. A terapia familiar, por exemplo, pode melhorar a comunicação e ajudar os pais a monitorar melhor o uso da Internet em casa. Mudar o computador para um local comum na casa (como a sala de estar, ao invés do quarto) pode dificultar o uso excessivo e facilitar a supervisão.
- Busca por Grupos de Apoio: Grupos de apoio para UPI, tanto para o jovem quanto para a família, podem oferecer um ambiente de compartilhamento de experiências e estratégias eficazes.
Países como a Coreia do Sul e a China já implementaram medidas preventivas mais amplas, como proibições de uso da Internet em certos horários para menores de 18 anos e “sistemas de fadiga” em jogos online para incentivar pausas. Embora o uso problemático da Internet possa ser resistente ao tratamento e apresentar altas taxas de recaída devido à onipresença da Internet na vida moderna, a detecção precoce e a implementação de estratégias de apoio multidisciplinares são cruciais para ajudar os jovens a restabelecerem um equilíbrio saudável entre suas vidas online e offline.
Perguntas ao Leitor
- Você já observou algum dos sinais de Uso Problemático da Internet em crianças ou adolescentes sob seus cuidados? Como você reagiu?
- Quais atividades “offline” você acredita que poderiam ser mais atraentes para o jovem em sua vida, incentivando-o a diminuir o tempo de tela?
- Como a sua família ou instituição pode estabelecer limites saudáveis e consistentes para o uso da Internet, promovendo um ambiente digital mais seguro e equilibrado?
Fontes
- Chang, J. P.-C., & Hung, C.-C. (2015). Uso Problemático da Internet. Em Rey J. M. (Ed.), IACAPAP e-Textbook of Child and Adolescent Mental Health (Edição em Português; Dias Silva F., Ed.). Genebra: Associação Internacional de Psiquiatria da Infância e Adolescência e Profissões Relacionadas.
Se precisar de orientação individualizada, procure um profissional especializado em saúde mental da infância e adolescência.


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