A cena é familiar para muitos pais: uma criança que chora desesperadamente ao ser deixada na escola, na creche ou com um familiar. Por um tempo, isso é parte normal do desenvolvimento. Mas o que acontece quando essa dificuldade de separação se torna excessiva, persistente e começa a prejudicar a vida diária da criança e da família? Estamos falando do Transtorno de Ansiedade de Separação (TAS), um desafio que afeta muitas crianças e adolescentes, mas que, com o apoio e tratamento corretos, pode ser superado.
Neste artigo, vamos mergulhar no universo do TAS, desvendando seus sinais, impactos e, mais importante, como podemos ajudar nossos pequenos a enfrentar esse “adeus” que dói demais.
O Que é o Transtorno de Ansiedade de Separação (TAS)?
A ansiedade de separação é uma etapa natural do desenvolvimento infantil, que geralmente atinge seu pico entre os 9 e 13 meses de idade e diminui por volta dos dois anos. É normal que as crianças se sintam apreensivas ou chorem ao se separarem de seus cuidadores principais. No entanto, o Transtorno de Ansiedade de Separação (TAS) vai além dessa fase normal.
Para ser diagnosticado, essa ansiedade deve ser desproporcional ao nível de desenvolvimento da criança, durar mais de quatro semanas, iniciar antes dos 18 anos e causar sofrimento ou prejuízo consideráveis (Figueroa et al., 2015).
Principais Características do TAS:
- Medos excessivos e persistentes: Preocupação constante antes e durante a separação. A criança pode temer que algo aconteça aos pais (desaparecer, se perder) ou a si mesma (se perder, ser raptada) se não estiver próxima.
- Sintomas comportamentais e somáticos: Choro, agarramento aos pais, queixas sobre a separação e busca incessante pelos pais após a partida. Frequentemente, surgem dores físicas como dores de cabeça, abdominais, náuseas, vômitos, palpitações e dificuldade para dormir. Estes sintomas físicos podem, inclusive, levar à recusa escolar.
- Evitação persistente: A criança tenta persistentemente escapar da situação de separação, o que pode incluir recusar-se a ir à escola, dormir fora de casa ou ficar sozinha.
É crucial entender que esses sintomas não são “manha” ou “birra”, mas sim manifestações de uma angústia real e profunda.
O Impacto do TAS na Vida da Criança e do Adolescente
O TAS tem uma apresentação clínica heterogênea, ou seja, pode se manifestar de diferentes formas dependendo da idade da criança. Enquanto as crianças menores podem ter mais pesadelos e comportamentos de oposição como teimosia, os adolescentes tendem a apresentar queixas físicas mais frequentes em dias de aula.
Onde o TAS pode aparecer?
Situações cotidianas podem ser gatilhos, como:
- Ser deixado na creche ou escola.
- Pegar o ônibus escolar.
- A hora de ir para a cama.
- Ser deixado com babás.
- Início de um acampamento de verão.
- Mudanças no ambiente familiar (como divórcio dos pais).
O TAS é o transtorno de ansiedade mais comum na infância, com prevalência de 3% a 5% em crianças e adolescentes, e que o pico de início é entre os sete e nove anos de idade (Figueroa et al., 2015). É também a causa mais frequente de recusa escolar em crianças pequenas, um problema sério que pode levar a declínio acadêmico, isolamento social e conflitos familiares. Se não tratado, cerca de um terço dos casos infantis de TAS persistem na vida adulta, aumentando o risco de outros transtornos psiquiátricos, como o transtorno do pânico.
Fatores que Contribuem para o Transtorno
A origem do TAS é complexa e multifatorial, envolvendo uma interação entre aspectos biológicos e ambientais.
Fatores Biológicos:
- Genética: Há uma predisposição genética. Crianças com pais ansiosos têm cinco vezes mais chances de desenvolver um transtorno de ansiedade.
- Disfunção cerebral: Áreas cerebrais como a amígdala, envolvidas na regulação da ansiedade, podem apresentar disfunção.
Fatores Ambientais e Familiares:
- Ambiente familiar: Baixo calor emocional parental, pais superprotetores ou com apego inseguro (especialmente da mãe) podem ser fatores de risco.
- Experiências precoces: Eventos estressantes como envolvimento em desastres, exposição à violência doméstica, perda de emprego dos pais ou o nascimento de um irmão podem precipitar o TAS.
- Temperamento da criança: Crianças com “inibição comportamental” (tendência a demonstrar medo e retirada em situações não familiares) são mais propensas ao TAS.
Diagnóstico e Comorbidades
O diagnóstico do TAS requer uma abordagem cuidadosa, que envolve não só a criança, mas também os pais e, se possível, os professores. É importante descartar outras condições médicas ou outros transtornos de ansiedade.
É muito comum que o TAS venha acompanhado de outros transtornos psiquiátricos, como:
- Depressão Maior
- Transtorno Bipolar
- Transtorno de Hiperatividade e Déficit de Atenção (TDAH), especialmente em meninas com o subtipo desatento.
- Outras fobias específicas.
Caminhos para o Tratamento e Apoio
A boa notícia é que existem opções de tratamento eficazes para o TAS, e quanto antes a intervenção começar, melhores os resultados. O tratamento deve ser adaptado a cada paciente, considerando a gravidade dos sintomas, a idade da criança e os recursos da família.
- Psicoeducação e Manejo Comportamental: Sempre o ponto de partida! Consiste em educar a família e a criança sobre a natureza da ansiedade, os fatores que a desencadeiam e como lidar com ela.
- Em casa: Pais são orientados a ouvir os sentimentos da criança, manter a calma, ensinar técnicas de relaxamento (respiração profunda), planejar transições, encorajar a participação em atividades fora de casa e elogiar os esforços da criança. O envolvimento da família é essencial para não reforçar comportamentos ansiosos.
- Na escola: Professores podem colaborar criando planos para o retorno gradual à escola, oferecendo um local seguro e um adulto de referência, incentivando interações sociais e recompensando os esforços.
- Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): É o tratamento de escolha, com vasta evidência de eficácia. A TCC ajuda a criança a entender seus medos, controlar preocupações, reduzir a excitação e enfrentar as situações temidas. Inclui:
- Reestruturação cognitiva: Ajuda a criança a mudar pensamentos negativos.
- Treinamento de relaxamento: Para gerenciar sintomas físicos.
- Exposição e prevenção de resposta: Gradualmente, a criança é exposta às situações que lhe causam ansiedade, aprendendo a lidar com elas de forma saudável. Programas como “The Coping Cat” e “Friends” são exemplos de TCC bem-sucedidos.
- Tratamento Farmacológico: A medicação não é geralmente a primeira linha de tratamento, mas é uma estratégia útil quando a TCC não é suficiente ou a criança está muito prejudicada. Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS’s) são os mais utilizados, embora nenhum seja aprovado especificamente para TAS em crianças pela FDA nos EUA (a situação pode variar em outros países). O uso de medicamentos sempre deve ser feito sob supervisão médica rigorosa. O artigo destaca que a combinação de TCC e medicação é o tratamento mais eficaz.
É fundamental lembrar que o apoio e a paciência são pilares para ajudar a criança a superar o TAS. A jornada pode ser desafiadora, mas com a orientação profissional e um ambiente acolhedor, a criança pode desenvolver as ferramentas necessárias para florescer.
Perguntas para o Leitor:
- Você já observou em alguma criança (seja seu filho, aluno ou familiar) comportamentos de medo ou recusa excessiva em situações de separação? Quais foram suas reações e como você se sentiu diante disso?
- Considerando os fatores etiológicos (biológicos, ambientais, familiares e de temperamento), quais deles você acredita que podem estar mais presentes no contexto das crianças que você conhece e que apresentam dificuldades de separação?
- Pensando nas estratégias de manejo comportamental em casa e na escola, qual delas você considera mais desafiadora de implementar e por quê? E qual delas parece mais promissora para o seu contexto?
Fonte
Baseado no estudo de Figueroa, A., Soutullo, C., Ono, Y., & Saito, K. (2015). Ansiedade de separação. In Rey JM (ed), IACAPAP e-Textbook of Child and Adolescent Mental Health. (edição em Português; Dias Silva F, ed). Genebra: International Association for Child and Adolescent Psychiatry and Allied Professions 2015.
Advertência
O conteúdo deste artigo é meramente informativo e não substitui o aconselhamento, diagnóstico ou tratamento profissional. Em caso de necessidade específica, é fundamental buscar a ajuda de um médico ou profissional de saúde mental qualificado.


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