Quando uma criança continua molhando a cama todas as noites ou tem “acidentes” durante o dia, é natural que os pais fiquem preocupados. A enurese — o famoso xixi na cama — e a incontinência urinária diurna afetam milhões de crianças em todo o mundo. E olha: isso é mais comum do que você imagina.
O que talvez você não saiba é que, na maioria dos casos, essas situações não indicam um problema médico grave — trata-se de uma questão funcional que pode ser entendida e tratada com o apoio certo. Neste artigo, vamos desvendar os mitos sobre o assunto, entender suas causas e explorar estratégias práticas para apoiar seu filho nessa jornada
Afinal, do que Estamos Falando?
A enurese é a eliminação involuntária de urina durante o sono — aquilo que popularmente chamamos de “fazer xixi na cama”. Já a incontinência urinária diurna é o vazamento involuntário de urina durante o dia, quando a criança deveria estar consciente e controlando sua bexiga (IACAPAP, 2012).
Os médicos classificam o problema de formas diferentes, levando em conta quando começou e que sintomas aparecem. Existem dois tipos principais:
- Enurese Primária: quando a criança nunca conseguiu permanecer seca por um período prolongado
- Enurese Secundária: quando a criança já ficou seca por pelo menos seis meses e depois voltou a apresentar o problema
Além disso, há a enurese monosintomática (apenas xixi na cama durante a noite) e a enurese não-monosintomática (que combina sintomas noturnos com problemas durante o dia).
Quantos Casos Existem?
A enurese varia bastante conforme a idade, gênero e região geográfica, mas os números são altos. A enurese noturna é mais comum do que a incontinência diurna, e ambas tendem a diminuir à medida que a criança cresce.
Mesmo que muitas famílias enfrentem isso, muitas vezes elas sentem-se isoladas, acreditando que seu filho é “o único” com esse problema. Saiba que você não está sozinho.
Por Que Isso Acontece? A Culpa é Minha?
Resposta direta: não, não é culpa sua.
A enurese e a incontinência urinária infantil acontecem por uma combinação de fatores genéticos e neurobiológicos (IACAPAP, 2012). Vários fatores podem estar por trás disso:
Fatores Genéticos
Se você ou outro membro da família teve enurese na infância, há maior probabilidade de seu filho também apresentar. A genética tem um peso grande na enurese monosintomática e na incontinência por urgência.
Fatores Neurobiológicos
O corpo da criança ainda está desenvolvendo os mecanismos que controlam a bexiga durante o sono e o dia. Um exemplo é a produção insuficiente de um hormônio chamado ADH (hormônio antidiurético), que ajuda o corpo a concentrar a urina durante a noite.
Fatores Ambientais
Mudanças grandes na vida da criança — como a chegada de um irmão, mudança de casa, separação dos pais ou situações de estresse — podem levar à enurese secundária. Aqui, as emoções e o estresse têm um papel importante (IACAPAP, 2012).
Fatores Comportamentais
Algumas crianças desenvolvem comportamentos como “segurar” a urina (postergação miccional) ou têm padrões de micção disfuncionais, o que leva a acidentes durante o dia.
E o Lado Emocional da Criança?
Além das questões físicas, não dá para ignorar o impacto emocional da enurese e da incontinência urinária. Muitas crianças sofrem com constrangimento, baixa autoestima e ansiedade social quando precisam participar de atividades como acampamentos escolares, dormir na casa de amigos ou viajar. O lado psicológico pesa tanto quanto o físico.
Além disso, estudos mostram que crianças com enurese ou incontinência urinária têm maior comorbidade com outros transtornos psicológicos, incluindo TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), transtorno desafiador-opositor, ansiedade e depressão (IACAPAP, 2012)
Como Saber se Preciso de Ajuda Profissional?
O diagnóstico começa com uma conversa detalhada entre você, seu filho e o profissional de saúde. O médico ou psiquiatra infantil fará perguntas sobre o histórico de saúde, padrões de sono e micção, e eventos estressantes recentes.
Outros recursos que ajudam no diagnóstico:
- Gráfico de Frequência e Volume (48 horas): A criança e os pais registram quando ocorrem as micções e quantas vezes isso acontece durante dois dias. Isso ajuda a identificar padrões.
- Questionários: Instrumentos padronizados para avaliar os sintomas e seu impacto na vida da criança.
- Exame Físico: Para descartar problemas médicos escondidos.
- Uroanálise: Um teste de urina para verificar se está tudo normal.
- Ultrassom: Em alguns casos, para visualizar a bexiga e os rins.
- Avaliação Psicológica: Para identificar possíveis comorbidades ou fatores emocionais envolvidos.
Você não precisa esperar uma idade específica para procurar ajuda. Se seu filho está sofrendo emocionalmente ou se a situação impacta a qualidade de vida da família, converse com um profissional.
Que Tratamentos Existem?
Existem várias estratégias de tratamento eficazes. O ideal é uma abordagem compreensiva e personalizada, que leve em conta as necessidades da criança e da família.
Educação e Apoio Familiar
O primeiro passo é sempre criar um ambiente acolhedor e livre de culpa. Explicar à criança que isso é uma situação comum e que será resolvido reduz a ansiedade. Pais informados e presentes fazem toda a diferença.
Terapia Comportamental – Alarme Miccional
Uma das intervenções mais eficazes é a terapia com alarme miccional. Este método utiliza um sensor de umidade que detecta a urina e dispara um alarme para acordar a criança. Com o tempo, isso ajuda a treinar o corpo da criança a reconhecer o sinal de que a bexiga está cheia e a acordar antes de urinar (IACAPAP, 2012). Funciona muito bem na enurese monosintomática e pode levar a resultados bem positivos.
Intervenções Medicamentosas
Em alguns casos, medicamentos podem ser prescritos:
- Desmopressina: Um medicamento sintético similar ao hormônio ADH, que reduz a quantidade de urina produzida durante a noite. Costuma ser a primeira escolha medicamentosa.
- Antidepressivos Tricíclicos (ATCs): Menos utilizados hoje em dia devido a possíveis efeitos colaterais, mas ainda podem ser considerados em alguns casos.
Tratamento de Problemas Psicológicos Associados
Se a criança tem ansiedade, depressão, TDAH ou outros transtornos psicológicos junto com a enurese, tratar essas condições é essencial. Muitas vezes, resolver a questão emocional ou comportamental também melhora a enurese ou a incontinência.
Meu Filho Vai Melhorar?
A resposta é, em geral, sim.
A maioria das crianças com enurese e incontinência urinária tem uma alta taxa de remissão espontânea — ou seja, muitos casos se resolvem naturalmente com o tempo. Além disso, tratamentos eficazes estão disponíveis para gerenciar e resolver o problema. Com o apoio adequado e, se necessário, intervenção profissional, a perspectiva de longo prazo é muito positiva.
Perguntas para Refletir
1. Seu filho tem acidentes noturnos ou diurnos, e você se sente culpado(a) por isso? Como muda sua perspectiva ao entender que isso é uma questão comum e tratável, não um “fracasso” seu como pai ou mãe?
2. Você conhece o histórico familiar de enurese? Conversar com avós ou outros parentes sobre suas experiências pode te ajudar a entender melhor a situação do seu filho?
3. Seu filho está sofrendo emocionalmente com isso? Qual suporte emocional ou profissional você pode oferecer para melhorar sua autoestima e segurança?
Referências
IACAPAP. Enuresis and Daytime Urinary Incontinence in Children. International Association for Child and Adolescent Psychiatry and Allied Professions, 2012. Disponível sob licença Creative Commons. Acesso em: 14 nov. 2025.
Advertência
Este conteúdo é meramente informativo e não substitui a consulta a um profissional de saúde qualificado. Em caso de dúvidas ou necessidade de avaliação, procure um psiquiatra infantil ou outro especialista adequado.


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