O TDAH é um dos transtornos psiquiátricos mais comuns na infância. Afeta escola, família, relações sociais e, muitas vezes, se estende até a vida adulta. A medicação ajuda boa parte das crianças, mas não é a única ferramenta disponível.
Existem diversos tratamentos não farmacológicos — mudanças na alimentação, suplementos, programas de treinamento para pais, ajustes na escola, treinamento cognitivo. O problema? Nem todos têm o mesmo respaldo científico. Alguns funcionam bem em casos específicos. Outros ainda precisam de mais estudos.
Este artigo traduz para uma linguagem simples o que a ciência sabe até agora sobre essas alternativas. Sem promessas milagrosas, sem culpa. Apenas informação de qualidade para ajudar famílias e educadores a tomarem decisões mais seguras.
O que são tratamentos não farmacológicos para TDAH?
São intervenções que não usam remédios. Incluem dieta, suplementos, programas comportamentais, estratégias escolares, neurofeedback e treinamento cognitivo.
Não são “cura”. Na maioria dos casos, funcionam melhor quando combinados com medicação (quando ela é indicada) ou em casos mais leves, sempre sob supervisão profissional.
A literatura científica mostra que essas estratégias têm efeitos que vão de pequenos a moderados. Muitas ainda têm limitações metodológicas importantes — estudos pequenos, falta de acompanhamento de longo prazo, resultados inconsistentes. Por isso, a recomendação atual é integrá-las em planos multimodais, nunca como solução isolada.
Dieta e suplementação: o que muda na prática?
Corantes artificiais e conservantes
Algumas crianças podem ter uma pequena redução nos sintomas quando corantes artificiais e certos conservantes são retirados da dieta. Mas os estudos mostram que esse efeito é discreto e acontece em uma parcela pequena das crianças.
Quando você controla outros fatores (como uso de medicação), o efeito às vezes desaparece.
Na prática: se a família já quer melhorar a qualidade da alimentação, vale tentar. Mas não espere milagres. E não use isso como único tratamento. A evidência é frágil, os estudos são pequenos e não há dados de longo prazo.
Dietas de eliminação restritiva
Dietas muito restritivas — com poucos alimentos hipoalergênicos por algumas semanas — podem identificar crianças sensíveis a certos alimentos. Quando esses itens são retirados, há redução significativa dos sintomas em cerca de um terço das crianças.
O problema? Essas dietas exigem supervisão profissional rigorosa, envolvimento intenso da família e planejamento cuidadoso. Sem isso, há risco de deficiências nutricionais.
Importante: não faça dietas baseadas apenas em testes de IgG. Estudos mostram que a piora dos sintomas acontece independentemente dos níveis desse anticorpo, o que coloca em dúvida o valor desses exames.
Ômega-3, ômega-6 e micronutrientes
Suplementos de ômega-3 e ômega-6 aparecem em várias pesquisas com pequenas reduções nos sintomas de TDAH. Os tamanhos de efeito são modestos e os resultados variam bastante entre estudos. Faltam dados de longo prazo.
Micronutrientes (ferro, magnésio, zinco, multivitamínicos de amplo espectro) mostram, em geral, efeitos modestos ou negligenciáveis em crianças. Alguns estudos em adultos trazem resultados mais expressivos, mas ainda não há consenso.
A mensagem aqui é clara: doses e combinações ideais não estão definidas. Doses muito altas podem ser tóxicas. Suplementação só deve ser feita sob acompanhamento médico, de preferência guiada por avaliação nutricional e laboratorial individual.
Intervenções comportamentais e psicossociais: foco em habilidades
Treinamento de pais e manejo comportamental
Programas baseados em reforço positivo, regras claras e consequências consistentes têm boa base de evidência. Funcionam especialmente bem em crianças pequenas e em casos com transtornos de oposição ou conduta associados.
Os resultados mostram melhora nos sintomas de TDAH (avaliados pelos pais), redução de problemas de conduta e aumento de práticas parentais positivas.
Mas há desafios. Maior complexidade clínica, problemas de saúde mental nos pais e baixa escolaridade podem dificultar os resultados. Por isso, o apoio precisa ser adaptado à realidade de cada família.
Intervenções na escola
Na escola, pequenos ajustes fazem diferença: sentar mais perto do professor, tarefas mais curtas, pausas programadas, instruções claras, uso de recursos visuais. Programas estruturados com recompensa, autorregulação e treinamento de habilidades acadêmicas e sociais também ajudam.
Professores relatam melhora em desatenção e hiperatividade. O desempenho em algumas medidas acadêmicas também melhora. Mas os pais, em casa, percebem menos mudanças — o que faz sentido, já que as estratégias foram aplicadas no ambiente escolar.
Para professores: pequenas mudanças no ambiente e na forma de ensinar têm impacto real, especialmente quando coordenadas com a família e a equipe de saúde. Não é cura, mas reduz conflitos, melhora engajamento e favorece a aprendizagem diária.
Treinamento cognitivo e neurofeedback: promessas e limites
Treinamento cognitivo computadorizado
Programas que treinam memória de trabalho, atenção e funções executivas partem da ideia de plasticidade cerebral. A lógica é fortalecer “recursos cognitivos” limitados.
Esses programas melhoram a memória de trabalho. Mas a transferência consistente para redução de sintomas de TDAH e melhora acadêmica ainda não está bem estabelecida, principalmente quando avaliadores não sabem quem recebeu o treinamento.
Traduzindo: aplicativos de “ginástica cerebral” podem ser um complemento, mas não devem ser vistos como tratamento principal. Faltam dados sobre efeitos adversos e sobre quais protocolos, doses e combinações realmente trazem benefícios clínicos significativos.
Neurofeedback
O neurofeedback usa o registro de ondas cerebrais em tempo real para treinar a criança a modular sua atividade cortical, reforçando padrões associados à atenção sustentada.
Alguns estudos sugerem melhora. Mas análises mais recentes apontam resultados inconsistentes e dificuldades metodológicas — falta de grupos-controle adequados, ausência de avaliações cegas.
Também não está claro qual protocolo funciona melhor. Fatores como motivação da criança, número de sessões e apoio familiar influenciam bastante. Há possíveis efeitos colaterais leves (dor de cabeça, fadiga) e epilepsia pode ser uma contraindicação.
Resumo: o neurofeedback pode ajudar algumas crianças, mas precisa de avaliação especializada antes de iniciar.
O que se sabe, o que ainda falta descobrir
Já sabemos que:
Tratamentos multimodais (medicação + intervenções psicológicas/comportamentais) funcionam melhor para a maioria dos casos.
Dietas de exclusão, suplementos de ômega-3/ômega-6 e micronutrientes podem ter efeitos pequenos em subgrupos específicos, mas não substituem intervenções estruturadas.
Treinamento de pais, ajustes escolares e intervenções comportamentais têm evidência mais sólida, especialmente em crianças pequenas.
Ainda não sabemos:
Quais crianças respondem melhor a cada tipo de dieta, suplemento ou programa de treinamento. Faltam marcadores que possam prever essa resposta.
A eficácia de muitos desses tratamentos a médio e longo prazo, incluindo custo-efetividade e impacto em qualidade de vida.
Como combinar tecnologias (treinamento cognitivo avançado, neurofeedback) com outras intervenções de forma ideal, em diferentes idades.
Quando buscar ajuda profissional e como escolher intervenções
O TDAH tem curso crônico e está frequentemente associado a outras condições: transtorno de oposição, conduta, ansiedade, depressão. Por isso, uma avaliação abrangente é imprescindível.
Sinais de alerta: desatenção persistente, hiperatividade/impulsividade que causam prejuízo em casa e na escola, conflitos frequentes, queda importante no rendimento escolar.
Nesses casos, procure um psiquiatra infantil ou outro profissional habilitado.
Na escolha dos tratamentos não farmacológicos, considere:
- Evidência científica disponível
- Esforço, custo e impacto na rotina familiar
- Preferências da criança e dos cuidadores
Intervenções autoaplicáveis e materiais de psicoeducação podem aumentar o acesso, reduzir custos e liberar tempo de profissionais para casos mais complexos, desde que bem estruturados.
Perguntas para reflexão
Quais dessas estratégias (alimentação, rotina, escola, treinamento de pais) parecem hoje mais viáveis para a sua realidade familiar ou escolar?
Há algum ajuste simples na rotina da criança (em casa ou na escola) que você poderia testar, com apoio da equipe de saúde, nas próximas semanas?
Que tipo de apoio você sente mais falta hoje: informações claras, escuta acolhedora, orientação prática ou articulação com a escola?
Conclusão
Os tratamentos não farmacológicos para TDAH em crianças oferecem recursos importantes para complementar a medicação e fortalecer a participação ativa de famílias e escolas. Mas a maioria apresenta efeitos modestos e muitas lacunas de evidência.
Com informação qualificada e apoio profissional, é possível construir um plano de cuidado realista — que respeite o ritmo da criança, reduza a culpa dos cuidadores e favoreça um desenvolvimento mais saudável.
Próximos passos
Se você convive com uma criança com sinais de TDAH, leve estas informações para a próxima consulta. Discuta com o profissional quais intervenções não farmacológicas fazem sentido para o seu contexto.
Compartilhe este artigo com professores e outros cuidadores para que todos possam caminhar na mesma direção.
Advertência
Este conteúdo é meramente informativo e não substitui a consulta a um profissional de saúde qualificado. Em caso de dúvidas ou necessidade de avaliação, procure um psiquiatra infantil ou outro especialista adequado.
Referências principais
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 5. ed. Washington, DC: American Psychiatric Association, 2013.
FERRIN, M. et al. Tratamento não farmacológico para Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). In: REY, J. M. (ed.). IACAPAP e-Textbook of Child and Adolescent Mental Health. Genebra: International Association for Child and Adolescent Psychiatry and Allied Professions, 2016.
SONUGA-BARKE, E. et al. Nonpharmacological interventions for ADHD: systematic review and meta-analyses of randomized controlled trials of dietary and psychological treatments. American Journal of Psychiatry, v. 170, p. 275–289, 2013.


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