Transtorno de Personalidade Borderline em Adolescentes: Como Identificar e Oferecer Apoio

A adolescência já é, por si só, uma fase de turbulências emocionais e questionamentos sobre identidade. Mas quando essas oscilações se tornam extremas e prejudicam o dia a dia, pode ser sinal do transtorno de personalidade borderline (TPB). Este texto se apoia em evidências do capítulo sobre o tema no Tratado de Saúde Mental da Infância e Adolescência da IACAPAP e em pesquisas recentes para abordar o TPB em jovens de 12 a 18 anos. Aqui, você encontra informações práticas para famílias e educadores, sempre reforçando que o diagnóstico e o tratamento devem ser conduzidos por profissionais qualificados.

O que caracteriza o TPB na adolescência?

O TPB se caracteriza por um padrão contínuo de instabilidade emocional, comportamental e nos relacionamentos. Segundo o DSM-5, o diagnóstico exige a presença de pelo menos cinco sintomas, entre eles: medo intenso de ser abandonado, vínculos afetivos instáveis, impulsividade marcante e explosões de raiva (Cailhol; Gicquel; Raynaud, 2015). Em adolescentes, esses sinais podem se apresentar de forma mais variada, já que o cérebro ainda está em desenvolvimento. É comum observar autolesão, mudanças bruscas de humor e uma sensação persistente de vazio interior.

Pesquisas recentes reforçam que o diagnóstico nessa idade é válido e necessário. Uma revisão de 2023 aponta que entre 10% e 18% dos adolescentes em atendimento clínico apresentam TPB, com prejuízos evidentes na vida social e escolar (Bourvis; Cohen; Benarous, 2023). No Brasil e em outros países, o transtorno ainda é subdiagnosticado por causa do estigma. Estudos longitudinais mostram que, em até 80% dos casos, o TPB na adolescência persiste na vida adulta. Meninas tendem a buscar ajuda com mais frequência, o que pode explicar a maior identificação do transtorno nesse grupo (Leichsenring et al., 2024).

Sinais de alerta: quando procurar um especialista?

Entre os sinais mais frequentes estão: explosões de raiva que parecem exageradas para a situação, comportamentos de risco (como automutilação) e dificuldade em manter vínculos estáveis. Muitas vezes, o TPB aparece junto com depressão (em 71% dos casos) ou TDAH (Cailhol; Gicquel; Raynaud, 2015). Sabe-se que traumas na infância — como abuso ou negligência — aumentam o risco em cerca de 50% dos casos. A genética também pesa: a heritabilidade é de 47% (Leichsenring et al., 2024).

O papel exato da cultura na forma como o transtorno se manifesta ainda está sendo estudado. Mas uma coisa é certa: se os padrões de comportamento persistirem por mais de um ano, é hora de procurar um psiquiatra infantil. Intervir cedo pode salvar vidas — o risco de suicídio no TPB varia entre 4% e 10% (Bourvis; Cohen; Benarous, 2023).

O que causa o TPB? O que a ciência já sabe

A origem do TPB está na interação entre genes e ambiente. Teorias como a da desregulação emocional e do apego desorganizado explicam como falhas no vínculo com os pais podem gerar instabilidade emocional (Cailhol; Gicquel; Raynaud, 2015). Pesquisas recentes destacam que traumas acumulados e estresse crônico são fatores decisivos. Estudos de 2022 e 2023 mostram que separações precoces da mãe aumentam a chance de os sintomas persistirem (Benarous, 2022).

Por outro lado, o apoio familiar sólido e intervenções na escola funcionam como fatores de proteção. Revisões sistemáticas confirmam que há alterações neurobiológicas envolvidas, como mudanças no eixo HPA (que regula o estresse). Ainda assim, faltam estudos longitudinais para esclarecer melhor esses mecanismos em adolescentes.

Tratamentos que funcionam: o que a ciência comprova

As psicoterapias estruturadas são a base do tratamento, e a família precisa estar envolvida. A Terapia Comportamental Dialética para Adolescentes (DBT-A) e a Terapia Baseada em Mentalização (MBT-A) são as que apresentam melhores resultados para reduzir impulsividade e autolesão. Estudos mostram remissão em 74% dos casos após seis anos (Bourvis; Cohen; Benarous, 2023).

Medicamentos podem ajudar a tratar condições associadas, como depressão, mas não há remédio aprovado especificamente para o TPB (Leichsenring et al., 2024). As diretrizes da NICE recomendam evitar benzodiazepínicos. Programas em grupo, como o STEPPS, ajudam a melhorar a previsibilidade emocional. No Brasil, o acesso pelo SUS ainda enfrenta barreiras, mas ensaios clínicos randomizados mostram que o tratamento ambulatorial funciona bem.

A internação fica reservada para crises agudas. Pais e cuidadores podem apoiar estabelecendo acordos claros com o adolescente, o que ajuda a promover autonomia.

Perguntas para refletir

  1. Você tem notado oscilações emocionais intensas no seu filho ou filha que estão afetando os relacionamentos ou o desempenho escolar? De que forma isso impacta a rotina da família?
  2. Você já pensou em procurar serviços locais, como o CAPS, para conversar sobre essas preocupações?
  3. Como o apoio da família pode ser ajustado para fortalecer a resiliência do adolescente nessa fase?

O TPB na adolescência é um desafio, mas o diagnóstico precoce e as terapias baseadas em evidências melhoram muito o prognóstico. Com apoio compassivo e avaliação especializada, é possível construir estabilidade a longo prazo.

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Advertência

Este conteúdo tem caráter informativo e não substitui a consulta com um profissional de saúde qualificado. Em caso de dúvidas ou necessidade de avaliação, procure um psiquiatra infantil ou outro especialista.

Referências

BENAROUS, X. Editorial: Borderline Personality Disorders in Adolescents: Clinical Challenges and Recent Advances. Frontiers in Psychiatry, v. 13, 2022. DOI: 10.3389/fpsyt.2022.841543.

BOURVIS, N.; COHEN, D.; BENAROUS, X. Therapeutic and Preventive Interventions in Adolescents with Borderline Personality Disorder: Recent Findings, Current Challenges, and Future Directions. Children, v. 10, n. 11, 2023. DOI: 10.3390/children10111820.

CAILHOL, L.; GICQUEL, L.; RAYNAUD, J.-P. Transtorno de Personalidade Borderline em Adolescentes. In: IACAPAP e-Textbook of Child and Adolescent Mental Health. Geneva: International Association for Child and Adolescent Psychiatry and Allied Professions, 2015. Capítulo H.4.

LEICHSENRING, F. et al. Borderline personality disorder: a comprehensive review of diagnosis and clinical presentation, etiology, treatment, and current controversies. World Psychiatry, v. 23, n. 1, p. 4-25, 2024. DOI: 10.1002/wps.21156.